segunda-feira, 16 de novembro de 2009

textos retirado do libera um informativo do celip do rio de janeiro

Jornadas Anarquistas de Porto Alegre 2002DECLARAÇÃO FINAL
Há anos o modelo chamado neoliberal acaba com os interesses e conquistas do nosso povo sem piedade. Um modelo inserido em um sistema de dominação que gera cada vez mais miséria para sustentar uma minoria privilegiada. Este é um momento em que o grande policial do mundo, o imperialismo global norteamericano e seus sócios, aumentam as medidas repressivas em níveis mundiais, tratando de fazer compatível com sua monstruosa estratégia com práticas políticas e circulação de símbolos que a justificam, como o bombardeio que se seguiu no Afeganistão logo após o ataque às torres gêmeas. Carente de inimigos, o Estado americano se reestruturou a partir da nova batalha que trava contra o "terrorismo", ideologia que justifica uma maior intervenção nos lugares onde lhe interesse, seja por razões políticas, ou estratégicas, ou econômicas. Entram no mesmo bolo da "luta antiterrorismo" intervenções militares no Iraque e acordos dos tipo "Plano Colômbia" . Neste contexto o estado de Israel aumenta sua política agressiva contra o combativo povo palestino. Invasão de territórios e sangue são as consequências. Há em diversos pontos do mundo povos que travam diversas lutas. Nos EUA e Europa multidões ganham as ruas repudiando o neoliberalismo e a globalização, como no caso das manifestações com fortes episódios de combatividade em Seattle, Quebec, Davos, Gotemburgo, Gênova. Ao mesmo tempo, na América Latina, no marco das diferentes condições sociais e econômicas, quase simultaneamente povos de Ecuador, Perú, Bolivia e Argentina têm protagonizado duros enfrentamentos, muitas vezes desesperados para romper este circuito de miséria e brutal injustiça que os aprisiona. Esta etapa do capitalismo deixou para trás a fórmula, nada generosa, do Estado de Bem-Estar social. Este produziu modificações em vários terrenos. Certas regulações foram caindo pelo caminho e muitas conquistas vindas de diversas lutas dos povos foram sendo atropeladas rapidamente.O desemprego, a fome, a marginalidade, a exclusão, a super exploração, a falta de moradia, de atenção à educação e saúde dos pobres se constitui em realidade permanete e sem perspectivas de mudança. Em oposição a isto, há o aumento nunca visto da riqueza dos que têm mais, a corrupção generalizada dos "estatutos" políticos e de certas instituições socias como a burocracia das grandes centrais operárias. As transnacionais, o capital financeiro foram espremendo o país. A grande maioria dos políticos ajoelharam-se, foram cúmplices e entregaram às transnacionais tudo o que era rentável. A inutilidade dos mecanismos da democracia burguesa foram sendo descobertos pela população. Os espaços de ilusão, aqueles que o sistema estabelece para que em seu seio se realize a participação do povo foram percebidos como o que realmente são: dispositivos de reprodução, manipulação e controle das populações. A divisão de poderes para assegurar a democracia mostrou sua verdadeira face. A justiça participou do esquema de corrupção. Tudo o que vinha do poder, não importa se fossem roubos descarados, estava legitimado e levavam leves punições. O povo foi ganhando as ruas e uma certeza: só a ação direta pode conseguir algo. Vieram os piquetes, trancamentos de ruas, panelaços, expropriação de supermercados, queima de instuições governamentais, Bancos e outras sedes transnacionais. O povo na rua enfrentou o Estado de sítio e a repressão assassina. Se generalizou o descrédito em uma forma de fazer política, dizem as ruas: "Que vão embora todos os políticos", "Os políticos são mentirosos e ladrões"; "Nós temos que nos unir, só podemos confiar em nós mesmos", "a democracia de verdade somos nós". A luta do povo argentino deixa uma notável lição para nossa época: por um lado, nos ensina como é o neoliberalismo em estado avançado, por outro, a continuidade e a possibilidade de existir, no novo século, multidões dispostas à luta. Com todas as limitações que estas mobilizações podem ter, ainda assim fica a pergunta: não estarão incubando algo novo?" FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 2002
O Fórum Social Mundial é o produto de uma ampla articulação de forças políticas, sociais e institucionais de todo mundo sustentada por uma aliança de classes que inclui até aqueles empresários capitalistas chamados "progressistas". Esse arranjo específico de forças, que se reúne não por acaso na cidade e no Estado do Brasil que tem tradição de governos do Partido dos Trabalhadores (PT), segundo seus organizadores, tem o objetivo de fazer a luta política propositiva contra o neoliberalismo. Para tanto, o projeto social-democrata precisa mostrar que é capaz de produzir bem-estar para os setores sociais vítimas diretas da opressão capitalista. Quer melhor propaganda desta "capacidade" do que o capitalismo sendo gerido em nível local por um programa social- democrata em um país periférico, pobre e latino-americano? A referência que está se tentando construir deste "capitalismo possível" são as experiências dos governos de Frente Popular (de hegemonia do Partido dos Trabalhadores - PT) no município de Porto Alegre e no Estado do Rio grande do Sul, em consonância com outras expressões mundiais de "gestão capitalista humanitária". Dessa forma, criam-se novas relações internacionais em uma Frente que quer impor um novo projeto: o neo-reformismo, que se promove às custas da miséria do terceiro mundo das expressões de descontentamento popular legítimas de resistência. Pela "racionalidade propositiva" que reivindica o FSM desde seu nascimento, se reserva o critério de não promover a ação direta popular contra as instituições econômico-financeiras que simbolizam o exercício centralizado do poder global. O fato é que a dinâmica conflitiva que desatam manifestações com esses métodos poderia pôr o governo estadual da Frente Popular em situação crítica ao ter que dirigir o aparato policial contra seus próprios convidados. O ano de 2002 marca a conjuntura das eleições presidenciais do país e o Estado do Rio Grande do Sul, bem como Porto Alegre, são espelhos do projeto de governo que pretende apresentar a esquerda reformista.Estas Jornadas Anarquistas serviram para marcar um divisor de águas entre a social-democracia e seu projeto de gerenciamento do capitalismo e o socialismo libertário, que acredita e luta no dia a dia para fortalecer as condições para uma revolução social e o estabelecimento de uma sociedade sem exploradores nem explorados. Nas diferentes intervenções que houveram nestas Jornadas vemos a necessidade de uma corrente ideológica que tenha inserção social e proponha uma transformação e para que esta seja coerente precisamos estar organizados. Diante da falência das metodologias da esquerda tradicional e de seus paradigmas, é urgente o anarquismo desenvolver novas metodologias de ação adequadas à realidade e profundamente mergulhadas nela, fazendo funcionar de fato a participação, a autogestão, a ação direta e a solidariedade. Com todas as limitações que possa ter havido, consideramos que as Jornadas Anarquistas contra a Globalização Capitalista de 2002 foram um êxito em participação e em conteúdo, e o grande número de interessados no anarquismo e o grande número de organizações e grupos anarquistas do Brasil, América Latina e mundo que ajudaram a construir este evento e a torná-lo mais rico nos indica que está na hora de nossa ideologia se fazer cada vez mais concreta, propositiva e comprometida com as realidades sociais onde vivemos. PELO SOCIALISMO E PELA LIBERDADE!Assinam a Declaração Final: Federação Anarquista Gaúcha - Federação Anarquista Cabocla - Federação Anarquista Uruguaia - Coletivo Luta Libertária - Laboratório de Estudos Libertários - SIL (Solidariedade Internacional Libertária)ORGANIZAÇÕES/GRUPOS QUE não puderam estar presentes mas ENVIARAM ADESÕES às Jornadas Anarquistas: Juventudes Libertárias (Bolívia), No Passaran (França), Organização Comunista Libertária (França), CELIP (Rio de Janeiro, Brasil), Coletivo Gritos de Tarija (Bolívia), Col. Autónomo Magonista e Periódico Autonomia (México), PO4 (Uruguai). GRUPOS/ORGANIZAÇÕES PRESENTES: BRASIL: Coletivo Luta Libertária (SP), Laboratório de Estudos Libertários (RJ), LibeLuta (SC), Coletivo Domingos Passos (RJ), Federação Anarquista Cabocla (PA), Construção Libertária Goiana (GO), Espaço Socialista do ABC (SP), Mov. Autogestionário (GO), Reunião de Indiv. do Mov. Anarq. (RS), Assoc.Cultural Quilombo Cecília (BA), Centro de Estudos Arte e Educação Libertária (RS), Proj. Imprensa Anarq. Verbavolant (PE), União Libertária do Maranhão (MA), Mov. Humanista pela Cid. Pop. (RS), Guerreiros por Princípios (RS), CCL (MG), MAP (BA). AMÉRICA LATINA E MUNDO: Federação Anarq. Uruguaia (UY), OSL Buenos Aires (AR), Coletivo Libertário Sta Cruz de La Sierra (Bolívia), CUAC (Chile), Utopia Socialista (AR), Grupo Anarq. de Córdoba (AR), Bisagra (UY); Org.Apoyo Mutuo (Espanha), OSL (Suíça), NEFAC (USA e Canadá), SAC (Suécia), Alternative Libertaire (França) e CGT (Espanha), IWW (USA), CLAC (Canadá).
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Eles, o Povo: e aí, norte-americanos?
A impressão que se tem, desde os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, é a de existir uma enorme turvação no cenário mundial. Não se sabe ao certo onde toda essa confusão vai dar, por mais que políticos e militares aparentem saber o que estão fazendo e para onde estão indo. Como uma espécie de nebulosidade, o impacto dos fatos tende a atrapalhar nossa compreensão dos mesmos. Contudo, se buscarmos desenvolver uma leitura libertária deles, exercitando nossa crítica, acreditamos que é possível retirar daí diretrizes para a ação. Já se disse que os erros dos homens, quando se acumulam, geram monstros, que então recebem o nome de "destino". Mas nós todos sabemos que não foi o destino que, por jogos caprichosos, levou o mundo a essa crise, com todos os raciocínios sendo suplantados pela lógica da retaliação, equipada com sofisticados recursos tecnológicos. Tão justificada tem sido a deflagração da guerra, como única resposta válida para esses atentados, que é sempre necessário frisar, no caso dos mortos, feridos e traumatizados dos Estados Unidos, que seria bestial apoiar os atos de crueldade praticados contra essas pessoas, quaisquer que sejam as justificativas a favor dos povos agredidos e explorados pelo Estado norte-americano, através do mundo. Mas é óbvio também que não estamos de acordo com as agressões do Estado ianque contra qualquer população, hoje, no passado e no futuro. Não somos a favor da barbárie, quanto menos com civis, pessoas alheias aos conflitos que resultaram nestas explosões de violência.Não caímos no maniqueísmo acomodado em que tantas opiniões se limitam, e cujo fundo, em geral, reside no equívoco de achar que a chacina da "luta contra o terror" seria menos lamentável. Nós, anarquistas, não fazemos distinção entre as vítimas, se norte-americanas, afegãs e outras, pois, de um jeito ou de outro, os seus carrascos são servidores do poder. Todos estes se igualam pelas práticas autoritárias, em todas as formas que podem assumir, elas que são as grandes patrocinadoras da violência e da desunião entre os homens.Não caímos também na conversa do governo norte-americano, ao se colocar como "procurador" das vítimas do World Trade Center, do Pentágono e dos aviões seqüestrados, para buscar vingança. No fundo, todo o povo dos Estados Unidos vem sendo vítima do sistema de poder representado hoje por George W. Bush; a forma de vitimá-lo é que tem sido diferente da que se costuma fazer com povos "estrangeiros". Uma conseqüência, e uma prova, desse fato estão na perplexidade e na falta de iniciativa que os habitantes daquele país experimentam, com a quebra da invulnerabilidade deste aos ataques inimigos.Talvez a reflexão mais útil para nós, em torno dessa crise entre imperialismo e fundamentalismo, é sobre as perspectivas que se apresentam desse lado do mundo, e que ela hoje potencializa. Os atos terroristas podem influir bastante para que a população norte-americana "caia das nuvens" do indiferentismo, em relação ao papel do "seu" Estado. É uma esperança de se alterar esse jogo. Mas, por outro lado, no meio da fumaça dos atentados e das retaliações, percebemos certas flatulências, vindas dos intestinos do "mais frio dos monstros", como dizia o velho Bakunin. È o Estado, tudo usando para aumentar o seu poder. Portanto, para o militante que luta por um mundo melhor, é importante observar essas nuvens que sobem, e combatê-las também, afirmando suas convicções.Muito antes dos fundamentalistas islâmicos e outros, o sistema político e econômico ianque já vem vitimando a população do "seu" país, enganando-a, dividindo-a, cooptando-a e marginalizando-a de maiores responsabilidades de decidir seu destino. Não esquecemos as nobres bandeiras defendidas no passado e ainda hoje pelo povo norte-americano: os movimentos negros, gays e feministas, o flower power, as jornadas contra a guerra do Vietnã e até, para honra do anarquismo, a luta operária simbolizada pelos mártires libertários de Chicago, e outras e outras. Nem desprezamos as contribuições culturais que os Estados Unidos dão à humanidade. Porém, não podemos perder de vista a dominação material e espiritual de um capitalismo competitivo e desagregador da solidariedade humana, e da disseminação permanente de uma ideologia de superioridade nacional e étnica, coroada pela crença num "destino manifesto" dos Estados Unidos em face do mundo. Não é possível negar nem deixar de lamentar a evidente alienação dessa população, em relação aos povos que vivem fora de suas fronteiras nacionais. O efeito moral dos atentados a Nova York e Washington em 11 de setembro prova isto: o ataque dentro de seu próprio território foi uma ducha de água fria, sobre uma população que parecia desconhecer a periculosidade da política que seu governo sempre desenvolveu mundo afora. Ser atacado em tal escala e com tal crueldade era coisa para árabes, vietnamitas e outros. E pior: com pouca possibilidade de castigo imediato aos responsáveis. Diante disso tudo, pode-se questionar a pouca importância que o norte-americano "médio" demonstrava dar, até o presente, ao fato de pertencer ao Estado que mais promove o militarismo e a guerra.Além desse trauma, o cidadão estadunidense provavelmente estará sujeito a novas aflições em sua vida política. O governo de Baby Bush empenha-se em fazer passar uma série de leis que permitiriam, entre outras coisas, extensão dos poderes do aparelho policial, maior controle sobre os estrangeiros em visita ou domiciliados no país, o rastreamento de telecomunicações, e o acesso a informações privadas dos cidadãos, a fim de caçar terroristas e detectar preparativos de atentados. Tudo em nome da segurança, como de hábito. O problema maior é: depois de postas em uso essas novas prerrogativas do Estado, elas não poderiam ser manobradas para outros fins? Por exemplo: pressionar e constranger imigrantes indesejáveis, perseguir ativistas políticos e outros contestadores, estender a censura, como já se faz informalmente com as transmissões de TV, vide a CNN.Já se erguem vozes contrárias a esses intentos, oriundas de movimentos de direitos civis. Observadores prevêm uma espécie de militarização geral da sociedade norte-americana para os próximos anos, enquanto dura a "batalha contra o terrorismo", que talvez não seja breve. É de se temer que esse povo, ultimamente tão habituado a ceder ao seu governo responsabilidades cruciais, acabe por se adequar a esse novo esquema policialesco que se anuncia, por um tempo indeterminado. É verdade, no entanto, que há alguns anos atrás houve reações, embora frágeis, em relação a uma política desse tipo, do prefeito Giuliani, de "tolerância zero" com as infrações à lei. Tal política, que inclui uma forte vigilância e espionagem, foi sentida por muitos como verdadeiro cerceamento das liberdades dos nova-iorquinos. Tomara que uma resistência muito maior se levante contra o fortalecimento desse abuso chamado Estado, num país onde já é tão poderoso.Está sobrando até para nós, aqui do Brasil. Atendendo a pressões (nem precisam ser muito fortes) do governo dos EUA, o governo brasileiro autorizou a instalação de escritórios da CIA no país. Enquanto isso, o próprio FHC fala em ampliar os mecanismos de inteligência do Brasil, coisa que aliás já anda há um bom tempo, sob esse regime "democrático". Os argumentos dessa gente parecem semelhantes, no que tange a caçar terroristas: se eles parecem piolhos no cabelo da sociedade, deve-se passar o pente fino. Acontece que o pente é tão duro, tão apertado, que muitos fios acabarão arrancados também... em nome da segurança.
Sérgio (Rio de Janeiro/RJ)
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Meu tipo inesquecível
O título acima era o de uma retranca que aparecia em todas as edições da versão brasileira de Seleções do Reader`s Digest, uma revista que resumia matérias aparecidas na imprensa de nossos grandes irmãos do norte, sempre com o critério de defesa da "sifilização cristã e ocidental", como diria o falecido Roberto das Neves. Nela alguém prestava um depoimento, muitas vezes emocionado, sobre alguém que o havia, pelos mais variados motivos, marcado e impressionado em sua formação.Aproprio-me do título, uma vez que o julgo bom para descrever exatamente isto: uma pessoa que, pelo seu modo de ser, me impressionou profundamente, mas creio que em um sentido e em uma forma radicalmente diferentes daqueles que seriam bem considerados pelos articulistas do Reader`s Digest.Aconteceu no jurássico ano de 1974. Freqüentávamos, eu e mais alguns amigos, todos então na faixa dos seus vinte e poucos anos, a casa de Ideal Peres no Leme onde ele e sua companheira Ester Redes (os dois, pelo que lhes devo em termos de esclarecimento para a construção de uma visão de mundo e de existência mereceriam todo um outro relato), recém - saídos de sérios problemas causados pela repressão quando do fechamento do Centro José Oiticica, tinham a paciência de receber aqueles jovens, talvez um tanto irreverentes para, através da leitura-pretexto em voz alta e comentários sobre livros como a "História das Riquezas do Homem" de Léo Huberman ou "O Medo à Liberdade" de Erich Fromm, iniciá-los na doutrina anarquista, sobre a qual manifestavam grande curiosidade.Um belo dia, durante uma de nossas visitas semanais, Ideal nos falou com entusiasmo de um companheiro de idade já avançada e que permanecia firme dentro de nossos princípios. Contou como, mesmo já idoso, na época do Centro de Estudos Prof. José Oiticica, carregava sozinho equipamentos pesados para a projeção de filmes, achando graça nos mais novos que logo se cansavam ao executar a mesma incumbência. Disse ser este companheiro natural de Portugal, onde nascera no interior e de onde fugira para não servir ao exército de seu país na Primeira Guerra Mundial (e de sua mágoa porque desde então não rever sua mãe).Relatou Ideal como este jovem camponês, recém-chegado ao Brasil, foi trabalhar nas obras de uma estrada de ferro perto de Santos. Como ali contraiu malária ou alguma outra doença e foi parar à Santa Casa daquela cidade onde alguém o alfabetizou e o pôs em contato com as teorias e o movimento libertário. Disse-nos ainda como, saído do hospital, foi trabalhar nas Docas de Santos onde se integrou completamente ao movimento dos trabalhadores e também das agruras do proletariado santista, entregue durante as décadas de 1910 e 1920, à sanha de chefes de polícia truculentos como Ibrahim Nobre, jagunços da Companhia Docas de Santos. Foi onde se inaugurou a prática de caçar trabalhadores a laço (literalmente) e da entrega de carteiras policiais a pistoleiros para assassinar militantes anarco-sindicalistas. Contou como esta situação indignou os companheiros e como nosso personagem foi procurar "um russo", segundo o Ideal, que o muniu de uma "máquina infernal".A cena seguinte, como foi descrita por nosso anfitrião, poderia ser a primeira de um filme sobre o meu tipo inesquecível, que bem o merece ele. Durante uma madrugada, pouco antes do nascer do dia, lá se vai ele, pacote bem ajeitado debaixo do braço, pelas ruas desertas de Santos até a casa do famigerado doutor chefe de polícia. Ali chegando, deposita o embrulho e se retira, em passo normal, como qualquer transeunte. A uma certa distância, encontrando um botequim aberto, entra e pede uma média com pão e manteiga. Passado algum tempo, ouve-se o estrondo da explosão. Chegando á porta do estabelecimento, nosso personagem inquire as passantes que correm em várias direções: - "o que aconteceu ?" -"Colocaram uma bomba na casa do chefe de polícia". - É mesmo ? - perguntou, fingindo espanto.A década de 70 foram tempos duros para a liberdade de expressão e pensamento e um pouco difíceis de imaginar hoje em dia pelos mais jovens, que vivem outras facetas do mesmo velhísimo tipo de problema (o big brother - quem diria ? - agora é liberal né ?) Uma pequena luz que se acendeu no campo internacional para os que queriam, de imediato, pelo menos respirar, o fim do fascismo sob aquela forma, foi a Revolução dos Cravos em Portugal, justamente em abril daquele ano. Com a deposição da ditadura salazarenta grande foi a alegria entre os portugueses exilados no Brasil, inclusive os anarquistas. O professor Matos, da UFF, foi um deles e, no mesmo ano, embarcou para Portugal, de onde voltou com material para mostrar e distribuir aos companheiros. Foi marcada reunião para a casa de Ideal em um domingo à noite. Para os convidados mais jovens a expectativa tornou-se ainda maior, ao sabermos que o meu tipo inesquecível também fora convidado e prometera comparecer.E no domingo lá estávamos: Ideal, como sempre em sua poltrona, Ester, o professor Mattos, pessoa que superara vários problemas no decorrer de sua vida, como vim a saber depois, pelas informações que este grande pioneiro e abnegado que é Edgar Rodrigues nos transmite sempre através de seus livros, nós, os jovens, talvez mais alguém de quem não me recorde e...meu tipo inesquecível.O companheiro Matos disse querer abrir sua exposição tocando para os presentes uma fita com o coro do Teatro S. Carlos em Lisboa cantando a Internacional. Logo ao se iniciar a execução da música, para surpresa dos mais jovens, meu tipo inesquecível se levantou em sinal de respeito ao que íamos ouvir. Para nós, que engatinhávamos no assunto, levantar-se durante a execução de um hino não parecia ser uma atitude nada "anarquista". No entanto, pensando melhor depois, cheguei à conclusão de que ele tinha razão em fazer o que sempre fizera em reuniões operárias durante décadas, à época dos sindicatos livres: identificar-se, naquele hino, como mais um guerreiro do exército libertário, assim como milhares de outros faziam pelo mundo afora.Logo ao término da execução da música, seu primeiro comentário foi para nos perguntar se sabíamos se o verso que dizia que "nossos balas são para nossos generais" fôra suprimida na versão russa da Internacional.Ainda no decorrer daquela noite, ao comentarmos a história do fascismo, falou-se de como o Estado Novo estivera próximo aos regimes nazifascistas. Meu tipo inesquecível contou então como, no início da década de 40, ao realizar um serviço de pedreiro em casa de um oficial de nosso glorioso exército, este comentara com outros colegas de farda que "em caso de guerra com a Alemanha, meus soldados não atirarão nos soldados alemães". Na certa julgava o insígne militar, admirador das proezas de Hitler e Mussolini, que aquele era apenas mais um "português ignorante" que não tinha a menor idéia do que estava sendo comentado entre os integrantes daquela "seleta" elite.Ainda sobre a era Vargas, meu tipo inesquecível fez um comentário sobre o movimento ocorrido em 1930 que, não sei se intencionalmente, foi um verdadeiro comentáriosobre o que aquela pseudo-revolução significou para o trabalhador, ao contar que ele e outro companheiro (não me lembro bem, mas creio que o João Gonçalves) haviam ganho um dinheirinho catando o papel picado jogado das janelas sobre os vencedores da ocasião.Antes de todos nos despedirmos naquela noite, Diamantino Augusto - sim, porque é dele que estou falando e os que me lêem e o conheceram já devem ter percebido - nos recomendou a leitura do "No Café" de Malatesta.Depois disso, fiquei querendo retomar o contato com ele, chegando a adquirir um volume de Reclus em um "sebo" para lhe oferecer. Mas este novo encontro não foi possível. Ficou a memória de um grande lutador pela Idéia, que para mim foi sua própria encarnação, vinda do passado como um mensageiro e uma testemunha, ali naquela sala nos anos 70, em toda a sua força e esperança.Há muitas pessoas com quem mantemos contato em nossa vida cotidiana e nos dizem pouco ou nada. Outros, pela vivência e pelo modo de ser, nos transmitem códigos de vida de grande importância para nossa própria caminhada. Para mim, e acredito que para todos que o conheceram pessoalmente, Diamantino Augusto foi uma dessas pessoas.
M. Lopes (Rio de Janeiro/RJ)
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Liberto Sarrau, Anarquista
Havia chovido muito nos últimos três dias, a "Cidade Luz" capital da antiga nação gaulesa encontrava-se, no dia 13 de julho de 1999, véspera da "Queda da Bastilha", entregue a mais completa estiagem, banhada por generosos e revigorantes raios de sol. Eu estava já há alguns poucos minutos esperando, na frente da CNT da Rue de La Tour d'Auvergne, o companheiro Liberto Sarrau, veterano da Revolução Espanhola e mais um dos exilado de Paris. Na noite anterior, como resultado de uma breve conversa ao telefone, Liberto e sua companheira Joaquina Dorado Pita, também ela uma militante histórica da CNT, haviam me convidado a visitar a sede da referida Confederação. A espera não foi longa, menos de ¼ de hora, logo estava diante de um simpático casal de maduros companheiros que, embora não me conhecessem, haviam tomado minhas referências por meios próprios. A nossa conversa começou no interior de um típico café parisiense e prolongou-se por toda à tarde, interrompida apenas pelo almoço, na casa dos companheiros, e algumas precauções tomadas por Joaquina com respeito à delicada saúde de Liberto.Falamos longamente sobre a difícil condição do exilado, os problemas da CNT francesa com a AIT e sobre suas impressões em relação à América Latina. Segundo Liberto, logo após a Revolução Cubana ele, e mais alguns companheiros, teriam visitado a ilha caribenha para uma aproximação com a fração libertária ainda atuante. Naquele período, início de 1960, os expurgos castristas não haviam se iniciado e, segundo Liberto, o diálogo com Fidel já era difícil, mas não impossível. A sua passagem por Cuba, entretanto, teria deixado uma impressão bastante positiva do lendário Ernesto "Che" Guevara que, em seus discursos e em muitas atitudes, mostrava-se bastante libertário. Sarrau afirmou ter presenciado declarações públicas de "Che" nas quais o argentino defendia que, na revolução, o partido trazia muito mais problemas do que soluções.Assim se passou toda uma tarde com o homem que reunia em seu curriculum militante a convivência com Buenaventura Durruti - Liberto mostrou-se cético em relação ao acidente que teria provocado a morte do lendário comandante da "Coluna de Ferro" -, a amarga experiência de perder o pai fuzilado pelos fascistas, as lembranças de boa parte de sua vida nos campos de concentração na França e em prisões espanholas durante a ditadura de Franco. Muita vida para uma única tarde de conversa.Liberto faleceu em Paris no dia 27 de outubro de 2001, seu corpo foi cremado e suas cinzas atiradas ao rio Cinca, na sua Espanha natal. Após saber de sua morte, através do jornal "A Batalha" de Lisboa, me veio a certeza de que, se outras tardes houvesse passado com este companheiro, ainda sim seriam insuficientes para o justo resgate de sua trajetória como anarquista.
João Madeira
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Mais uma vez, solidariedadeao companheiro Tavares
Conheça o histórico de lutas do companheiro Luiz Ernesto Tavares da Silva no meio petroleiroParticipou do 1o Congresso da Central Única dos Trabalhadores (CUT), fundador desta entidade em 1983. Organizou as primeiras comissões de prevenção a acidentes na bacia petrolífera de Campos e, reconhecidamente, foi um dos primeiros articuladores das famílias das vítimas de acidentes, que a direção da Petrobrás negava.Foi o principal formulador do sindicato não-oficial dos petroleiros da bacia de Campos, denominado SINDIPETRO NF, hoje oficial. Seus diretores formaram-se na trajetória de lutas desse nosso companheiro. Organizou pelo sindicato não-oficial a primeira greve com parada e controle da produção na bacia de Campos em 1988.Foi através da cartilha elaborada e defendida por Tavares que realizou-se a grande greve de ocupação dos petroleiros na gestão do saudoso Mário do Carmo do SINDIPETRO NF.Tavares teve três demissões de cunho político nas seguintes ocasiões: 03/03/1988, 13/06/1990 e, a última, após ser anistiado durante o governo Itamar em 11/11/94, foi demitido após a greve petroleira, em 16/08/95.Mesmo demitido, Tavares atuava nos congressos petroleiros junto ao Grupo Resistência, na luta pela reintegração dos demitidos pelos vários governos. Destacamos a ação realizada por esse Grupo, com o apoio de grupos anarquistas, na ocupação por 39 dias do Edifício Sede da Petrobrás (EDISE), entre dezembro de 1992 e janeiro de 1993, naquela que foi a primeira ocupação de um prédio público após a ditadura militar. Tavares, ocupante de 1a hora, foi o último a ser reintegrado no ano de 1994, após vitoriosa greve petroleira.Reintegrado, Tavares não se acomodou e com o Grupo Resistência defendeu a tese vitoriosa nos congressos petroleiros do item de organização e construção da greve de ocupação com controle da produção , perante o ataque do governo FHC. Na greve de 1995, os petroleiros ocuparam e controlaram a produção por vários dias. A política da greve de ocupação avançava. Após o acordo que pôs fim a greve, dezenas de trabalhadores foram demitidos e centenas punidos pela direção da empresa. Tavares defendeu na plenária petroleira, com vitória, a retomada da greve. Após a última plenária, no dia 16/08/95, o companheiro foi mais uma vez demitido.No final de 1996 não lhe restou alternativa senão assinar, constrangido, um acordo, que sabia ser nefasto, mas estava em jogo sua sobrevivência e a de sua família.Em defesa do retorno ao trabalho do nosso companheiro Luiz Ernesto Tavares da Silva e de todos os demitidos por perseguição política após movimentos grevistas, solicitamos que a Federação Única dos Petroleiros (FUP) inclua essa reivindicação na pauta da próxima negociação com a Petrobrás.Você também pode apoiar o companheiro Tavares, enviando um e-mail para a FUP (
fup@uol.com.br) solicitando que a sua reintegração e a de todos/as os/as demitidos/s por motivos políticos seja incluída na próxima pauta de reivindicações da categoria.

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